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quarta-feira, 6 de abril de 2011

Nova Friburgo ainda vive pela metade


                 Quase três meses depois das chuvas de janeiro, obras de recuperação ainda não conseguiram restabelecer a rotina na cidade que teve mais de 400 mortos.

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Símbolo da destruição nas chuvas de janeiro, a igrejinha na Praça do Suspiro passou por limpeza, mas ainda está rodeada de lama.

Desde o temporal que destruiu Nova Friburgo, na região serrana do Rio de Janeiro, o melhor momento para o vendedor de móveis Deiler Souza Nascimento, 31 anos, foi quando o governo federal liberou o saque do FGTS para os moradores das cidades atingidas. "Fevereiro foi melhor do que o Natal. Cheguei a atender 60 pessoas por dia, todo mundo querendo refazer a casa depois da tragédia”, conta o vendedor. Os 109 milhões de reais de contas do Fundo de Garantia, no entanto, sumiram como água em terra seca na imensidão dos estragos na cidade.
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Vista  aérea do centro de Nova Friburgo onde ocorreram vários deslizamentos de terra com vitimas fatais.

O movimento do comércio é um termômetro da velocidade em que a vida tenta voltar ao normal em Friburgo. Na última quinta-feira, às 16h30, a loja estava às moscas. E só três pessoas entraram – e não comprara – na loja de Deiler. "Infelizmente, quem tinha que comprar já comprou", constatou.
Nova Friburgo vive pela metade. A cidade teve mais da metade dos cerca de 800 mortos da tempestade de janeiro. Diferentemente de Teresópolis e Petrópolis, onde os estragos se concentraram em uma região, praticamente toda a cidade foi atingida, e ainda há muito para refazer. O processo de reconstrução começou pelo centro, ponto estratégico para o comércio e o turismo locais. Mesmo assim, os principais pontos turísticos ainda não foram recuperados. O teleférico da Praça do Suspiro, o maior de cadeiras duplas do país, permanece danificado e ainda não tem previsão de reabertura. A situação é a mesma da Capela de Santo Antônio, que fica na mesma praça. Há outra parte da cidade que ainda não viu a reconstrução começar.
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Deslizamentos observados do alto do Tingly no centro de Nova Friburgo.

A aposentada Maria Madalena de Paula Coutinho, 64 anos, moradora do bairro Vilage, ficou nessa segunda metade de Friburgo. “Está abandonado. Ninguém vai lá. O ônibus ainda não voltou a circular porque só tem passagem para carro pequeno. Meu filho se inscreveu para o aluguel social, mas não recebeu. Ele, a mulher e o casal de filhos tiveram a casa condenada pela Defesa Civil, mas ainda passam os dias lá. À noite, vão dormir na minha casa porque têm medo”, conta.

Apesar de mais de 2.000 famílias de Friburgo já estarem recebendo o aluguel social, o Ministério Público Estadual (MPRJ) decidiu instaurar um inquérito para apurar os casos de pessoas que têm direito, mas não conseguiram receber o benefício. Após uma reunião com o MPRJ, a prefeitura se comprometeu a reabrir as inscrições para novos candidatos ao aluguel social. "Detectamos que o número de benefícios é muito inferior ao necessário. Muitas pessoas poderiam receber, mas não estão tendo acesso ao aluguel social porque não conseguiram se inscrever. Consideramos que o prazo foi extremamente curto. Também já levamos esse problema à Secretaria Estadual de Assistência Social, que prometeu apenas estudar a nossa proposta", afirma o procurador Leonardo Kataoka.
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Acima  o  morro da Vilage  com deslizamentos de encostas que destruíram várias casas e ceifaram vidas no fatídico dia 12 de janeiro de 2011.

Friburgo é referência para uma série de municípios ao norte do estado. A pequena Bom Jardim, 20 quilômetros ao norte, depende diretamente da economia do vizinho maior, uma vez que produz insumos e presta serviços terceirizados ao pólo industrial de lingerie de Friburgo. Desde a tempestade, a queda de uma ponte na RJ-116 complicou o trânsito entre as duas cidades – afetando também os municípios de Cordeiro, Cantagalo, Macuco e Duas Barras. Hoje, o acesso a Bom Jardim é possível graças a uma ponte metálica instalada pelo Exército, que restringe o tráfego a um único sentido por vez e comporta caminhões de até dois eixos. O governo do estado promete entrar uma nova ponte daqui a cinco meses, mas as obras sequer começaram. Enquanto isso, os moradores de Bom Jardim são obrigados a incorporar à sua rotina um congestionamento interminável e inédito no pequeno município.
duas_pedras_deslizamentosrochasVista do Morro do Tingly  no centro da cidade -  Foto: Osmar de Castro

Economia - Os governos federal e estadual lançaram mão de uma série de incentivos para injetar dinheiro na reconstrução, pelos governos e pelo lado da iniciativa privada. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) criou o Programa de Reconstrução do Estado do Rio de Janeiro (PER RJ), com verba total de 400 milhões de reais para financiar, em condições especiais, empresas e empreendedores dos municípios afetados. Segundo balanço desta segunda-feira, já foram desembolsados 117,4 milhões de reais – dos quais 55,6 milhões de reais, ou 47%, para Friburgo. O setor de comércio e serviços foi o maior beneficiado, respondendo por 1.305 operações de um total de 1.658.
Para o setor agrícola, foi criada uma linha emergencial do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), com verba de até 13 milhões de reais. Até 30 de março, a linha de crédito liberou 3,1 milhões de reais para 1.563 produtores. Com os recursos, os agricultores estão reconstruindo a infraestrutura produtiva, como sistema de irrigação, galpões de armazenagem e estufas. Outros estão comprando sementes e mudas para retomar a produção.
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“O Teleférico”  um dos principais pontos turísticos  da cidade foi totalmente destruído.

Para a realização das obras emergenciais e de reconstrução dos municípios atingidos pelas chuvas, o governo federal já repassou 80 milhões de reais para o governo do estado e mais 30 milhões para as prefeituras. O governo do estado também já conseguiu dois importantes empréstimos com duas instituições financeiras internacionais. Do Banco Mundial, virão 485 milhões de dólares, que serão gastos com construção de moradias, reassentamento e demolições – principalmente na região serrana. Essa semana, foi anunciado um empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no valor de 1 bilhão de reais para obras nas rodovias do estado. Um terço desse montante terá como destino as estradas da região serrana.
Mas, até agora, a medida que foi capaz de apresentar mais resultados em curto prazo foi mesmo a liberação do FGTS. De acordo com ao Caixa Econômica Federal, já foram pagos 109.581.958,06 reais referentes a 93.450 contas do fundo. Gerente de uma loja de materiais de construção do Centro, Sérgio Messias Tardin, de 46 anos, comemora as vendas de fevereiro e março, mas se diz preocupado com o futuro. “Janeiro foi muito complicado. Com a liberação do FGTS, conseguimos recuperar as perdas nos dois meses seguintes. Mas, sinceramente, temo pelos próximos meses”, explica.
A apreensão do comerciante é o sentimento que predomina na população. Tanto que sindicatos locais preparam um ato público para o próximo dia 12, às 15 horas, no obelisco da Praça Dermeval Barbosa Moreira, no centro de Nova Friburgo. Entre as reivindicações estão: a concessão do aluguel social para todos os desabrigados e desalojados; o início imediato da construção das casas; o não deslocamento das pessoas de seus bairros; atendimento imediato dos pedidos de limpeza e obra nos bairros; e vagas em hotéis para aqueles que ainda estão em abrigos.

Fotos :  Osmar de Castro       -         Texto:   Revista  Veja

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